Manipulando a notícia

18:17 Edit This 0 Comments »
Por Flávia Passos Leite.

Quando um jornalista veterano se depara com uma notícia chocante, um movimento acontece. A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951) mostra como um profissional de comunicação se aproveita de um trágico acidente para subir na carreira.
O drama foi produzido e dirigido por Billy Wilder, o mesmo de Amigos, amigos, negócios a parte (Buddy Buddy, 1981). O diretor alerta a população sobre como alguns profissionais manipulam as notícias para se fazerem conhecidos.
Durante 111 minutos é contada a história de Charles Tatum (Kirt Douglas), de a Acontece nas Melhores Famílias (It runs in the family, 2003), um jornalista que, após ser demitido de 11 grandes jornais, vê-se em Albuquerque, Novo México. Então, consegue ser empregado no pequeno jornal local, pensando em ficar apenas alguns meses, até escrever uma boa matéria e ser contratado por um grande veículo de comunicação. Seus planos, porém, não dão certo, pois em um ano não havia presenciado nenhum fato de grande relevância e que obtivesse repercussão nacional.
Enviado para cobrir uma corrida de cascavéis, Mr. Tatum vê sua sorte mudar, quando encontra um motivo para atingir seu objetivo. Leo Minosa (Richard Benedict), após uma tentativa de encontrar relíquias indígenas em uma caverna, fica soterrado. Chuck Tatum, como é conhecido o jornalista, aproveita-se da situação para conseguir sua matéria, como ele mesmo disse: "Esta é a minha história".
A partir deste momento, o personagem passa a controlar a situação. Ele manipula o xerife da cidade, o engenheiro que comanda as obras do resgate, a família de Leo, seu chefe e outros jornalistas, além da multidão de pessoas que, mobilizadas com o acidente, acamparam no lugar. Chuck consegue ainda fazer com que a esposa de Leo, Lorraine Minosa (Jan Sterling), de A Trágica Farsa (The Harder They Fall, 1956), finja que está triste com o que está acontecendo, mesmo quando o que ela queria era deixar o marido.
O engenheiro diz, então, que a maneira mais rápida de retirar Leo da montanha é por den
tro. Mas Mr. Tatum manda o resgate ser realizado por cima, o que levaria seis dias. Assim, a notícia perduraria. Já no sexto dia, depois de estar no centro das atenções, o jornalista vê seu sonho se esvair, pois Leo Minosa morre e, assim, também, a sua notícia.
O filme, ganhador do Prêmio Internacional no Festival de Veneza e indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, chama a atenção de todos para um grave problema: a manipulação de notícias. Os veículos de comunicação são empresas com fins lucrativos e os jornalistas sobrevivem do que escrevem. Por isso, devem observar certos critérios antes de iniciar cada matéria. Não podem simplesmente abordar a notícia do jeito que querem.
É notório que em qualquer veículo de comunicação existe a parcialidade. Segundo McLean (1981) "quando um artigo não faz a distinção clara entre as interpretações do seu autor e os fatos relatados estamos perante uma notícia parcial ou tendenciosa". Essa parcialidade pode ser observada na forma como a notícia é descrita pelo autor, pois cada jornalista possui valores e modos diferentes de ver uma determinada situação e os mostram também em seus textos.
Além disso, o profissional de comunicação deve observar a política editorial da empresa onde trabalha, que é influenciada por seus donos. Esta é completamente diferente da objetividade jornalística, como pensa Breed (1955). Mas e a imparcialidade, onde está? Para isso é que servem os critérios de noticiabilidade. Para tentar padronizar as notícias e ressaltar o que realmente merece importância.
Desde as primeiras décadas do século XVII, quando existiam as "folhas volantes", uma espécie de antecessor dos jornais, catástrofes, milagres, abominações, protestos, mortes e celebridades são notícias. A partir de estudos, Galting e Ruge (1965/1993) enumeraram 12 critérios gerais para nortear a elaboração de textos jornalísticos. Esses e mais alguns critérios são utilizados pela mídia de todo o mundo. São mecanismos que ajudam os jornalistas a escreverem seus textos dentro de um padrão, sabendo das expectativas dos leitores, telespectadores e ouvintes.
Conhecedor dos critérios de noticiabilidade e sabendo que a negatividade é um deles, Charles Tatum persistia em seu objetivo de querer ser conhecido como um ótimo jornalista. Ele vivia em busca de um acontecimento catastrófico que assegurasse sua carreira jornalística, chegando a insinuar que se não tivesse notícia ele morderia um cão.
A história de Leo Minosa serviu para que Mr. Tatum conseguisse escrever sobre o que dava audiência. Só que não desempenhou sua função como deveria. Noticiar o fato sem se envolver parecia algo que não existia na mente do jornalista. Ele manipulou completamente a situação, não permitindo, inclusive, que outros profissionais da área obtivessem qualquer informação sobre o caso.
Por um instante Chuc
k conseguiu o que queria. Porém, não contava com a morte de Leo, quando uma multidão o esperava sair com vida. Ao tentar se fazer o centro das atenções, o jornalista não pensou no sentimento das pessoas que a notícia sensibilizou e muito menos no soterrado, que por sua causa morreu.
Essa história é importante para conscientizar a população sobre uma necessidade: avaliar o conteúdo das informações que são passadas diariamente pelos diversos veículos de comunicação. A manipulação existe e cabe a cada um fiscalizar os media noticiosos, já que não há um órgão que o faça.