Mercadoria do 3º setor

19:11 Edit This 0 Comments »
Por Flávia Passos Leite

Ao comparar a escravidão do século XVIII com os dias atuais, o filme Quanto vale ou é por quilo? (2005) mostra que não existe diferença no modo de comercialização das duas épocas. Negros que antes eram tidos como meros objetos de trabalho, hoje, continuam em posição desfavorecida e, junto as outras pessoas excluídas socialmente, são parte da mercadoria vendida no comércio do terceiro setor.
Sérgio Bianchi, cineasta paranaense, foi o responsável pela direção da história. Uma adaptação do conto "Pai contra mãe", de Machado de Assis, somada a crônicas de Nireu Cavalcanti, retiradas do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Bianchi teve seu primeiro contato com o cinema em 1968, quando foi ator e assistente de produção do longa-metragem Lance Maior, dirigido por Sílvio Back. Desde então, tem demonstrado grande paixão pela produção cinematográfica, sendo premiado por Maldita Coincidência, 1979; Romance, 1988; A causa secreta, 1994 e Cronicamente inviável, 2000.
A produção da Agravo Produções Cinematográficas apresenta uma crítica à forma como as pessoas são utilizadas como mercadorias, cujos comerciantes são sempre grandes empresários, visando o lucro. No século XVIII, os proprietários de terras viam na compra e venda de escravos uma forma rentável de viver. Aqueles utilizavam estes para todo tipo de trabalho e sabiam que quanto em melhor condição estivesse seu "objeto de comércio", maior seria o retorno financeiro.
A história de Maria Antônia (Ana Lúcia Torre) e Lucrécia, mostrada no filme, ilustram com clareza essa situação. Esta última era escrava, mesmo em idade avançada, e queria comprar sua liberdade, cujo valor fora estipulado por seus patrões. Sem ter recursos para pagar, Lucrécia propõe a Maria Antônia que a compre em troca de trabalho, prometendo que pagaria sua alforria em um ano. Ao final de três, esta obtém seu dinheiro investido com lucro, já que juros foram cobrados.
Essa produção vai mais longe quando mostra a vida de um capitão do mato, que capturava escravos fugidos em troca de dinheiro para sustentar sua família. Candinho, como era chamado, resgatou a escrava Almira (Ana Carbatti) que, por conta da pressão a que foi submetida, perdeu o filho. No século XXI, é relatado o cotidiano de um jovem matador de aluguel, também chamado Candinho (Sílvio Guindane), que, pressionado a levar o sustento a sua família, mata pessoas em troca de dinheiro, tendo em vista que o trabalho formal não é fácil de conseguir.
A maior denúncia observada na obra de Sérgio Bianchi é, sem dúvida, o quanto as ongs lucram com a solidariedade. Marco Aurélio Silveira (Hérson Capri) e Ricardo Pedrosa (Caco Ciocler) são os donos da Ong Sorriso de Criança, que há anos vem trabalhando em obras sociais. Eles estão sempre em busca de se associar a empresas para financiarem seus projetos, garantindo publicidade a estas, tornando-as bem vistas perante a sociedade que, comovida, acabaria comprando seus produtos.
A obra cinematográfica apresenta dados que comprovam a movimentação de dinheiro feita pelo terceiro setor. Na época existiam de 14 a 22 mil entidades, ongs, que geravam 100 milhões de dólares por ano. Existiam 10 mil crianças abandonadas. De acordo com os cálculos, cada criança receberia 10 mil dólares por ano, o que daria para pagar os estudos em uma escola particular até a faculdade.
Mas os donos da Sorriso de Criança não estão apenas com boas intenções, na verdade, seus únicos propósitos são obter lucros com a miséria alheia. Eles sabem que isso lhes garante bons recursos e para obtê-los recorrem a desonestidade. Fazem lavagem de dinheiro, superfaturam, criam contas falsas, mas, no fim, aparecem como bons samaritanos perante a população, que apenas vê o que eles mostram.
O longa-metragem, roteirizado por Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sérgio Bianchi, consegue chocar a muitos que, por conviverem diariamente com a exclusão social, não mais a percebem, mas a integram ao seu cotidiano como sendo algo natural. De uma forma clara, fazendo as pessoas refletirem sobre a sociedade atual, comparando-a com séculos passados, Bianchi consegue mostrar o quanto alguns têm conseguido se aproveitar de obras sociais, de instituições de caridade e da miséria do país.
Segundo Maria Clara Gohn, "no novo contexto sociopolítico, a força e a expressividade de um movimento são dadas – mais pelas imagens e representações que eles conseguem produzir e transmitir via mídia do que pelas conquistas, vitórias ou derrotas que acumulam". Assim, observa-se que existe um empenho maior por parte das ongs e associações em passar a imagem da força de sua representação à sociedade e aos patrocinadores, utilizando o poder da mídia a seu favor. De acordo com Gohn esse poder seria o "de construir ou de contribuir para a destruição de um movimento social".
A Sorriso de Criança cria propagandas que passam para o público a sensação de que realmente contribui para a redução das desigualdades sociais. Os donos da mesma sabem que o que as pessoas querem é ver atitudes positivas. Então, buscam maneiras de produzir seu material promocional induzindo as crianças a demonstrarem felicidade e satisfação em participar dos projetos da ong. Mas por trás da beleza, só existe uma maneira gananciosa de lucrar, tanto que eles superfaturam em cima dos projetos.
O mesmo pode ser observado em muitas instituições "sem fins lucrativos" que existem. Elas se aproveitam da sensibilidade da sociedade para apelar e pedir ajuda, alegando que são sérias e mostram bons resultados, mas população acaba sendo enganada. É uma maneira sórdida de seduzir as pessoas a acreditar que tudo que eles veiculam na mídia é verdade. Só que eles não mostram as falcatruas, é claro. Todos estão cada vez mais preocupados em ajudar e melhorar um pouco o mundo em que vivem que se esquecem de verificar com quem estão realmente contribuindo: menos favorecidos ou empresas.
Muitas organizações apelam para a educação, pois sabem que ela um ponto fundamental da vida. A Sorriso de Criança colocou computadores na escola de uma comunidade carente, mas se esqueceu de que esse ato não é o único necessário, mas que o mais importante é qualificar profissionais para ensinar as crianças a manusear os parelhos e utilizarem para o aprendizado. Assim, os computadores, que já eram ultrapassados, tiveram pouca ou nenhuma serventia.
Faz parte da cultura dos povos o prazer, a vontade e a necessidade de ajudar o próximo. A maioria das pessoas quer e se sente satisfeita em estar contribuindo para o bem de outrem. Só que elas se esquecem que o ato de dar não é suficiente para amenizar o sofrimento, mas que o estar presente, o oferecer a si mesmo e o fiscalizar as instituições sociais, bem como fazer pressão junto ao governo são fundamentais na hora de tentar atender às necessidades de terceiros.
Quanto vale ou é por quilo? conseguiu acordar a população para um problema bem presente na atualidade, assim como o foi no passado. A exploração de pessoas para promover a bondade é tão comum que já se tornou algo banal. A mercadoria do terceiro setor passou a ser a miséria alheia, a solidariedade de fachada. Como está escrito no site do filme "em todo ramo empresarial, há corrupção. Neste o dinheiro é público e o produto é gente".

Voluntários contribuem para a educação

08:17 Edit This 0 Comments »

Por Flávia Passos Leite.

"Aprender alguma coisa a mais para dar o que eu nunca tive na vida aos meus filhos". Este é o sonho de Edmilson Santos Lima, 40 anos, pai de 4 crianças, que participa do projeto de alfabetização para adultos, oferecido pela Associação Brasileira do Encontro Social VaiVem (AVV), em Lauro de Freitas.

Moradores do Condomínio Parque Encontro das Águas viram no trabalho voluntário a oportunidade de compartilhar aquilo que receberam: educação. "Nós precisávamos ajudar as comunidades que tinham mais dificuldades ao nosso redor", explica Dinara Cavalcanti, integrante da organização, fundada há três anos.

Cada um utiliza seu conhecimento para atingir o objetivo principal. Assim, são oferecidos cursos de matemática, alfabetização para adultos, jardinagem e inglês básico voltado para hotelaria e turismo. Dinara Cavalcanti, formada em Filosofia com Letras Germânicas pela Universidade Federal de Pernambuco e professora há 49 anos, é quem ministra as aulas de inglês, fornecendo um certificado de participação.

Pensando na vocação turística do estado da Bahia, a professora ensina a todos os interessados em exercer uma função nesta área. Ela acredita que esse público, tendo noção de um outro idioma, poderá conseguir um emprego melhor. Lílian Silva dos Santos, 22 anos, está convencida de que o curso "é uma excelente iniciativa, que traz em si uma lição de solidariedade e mútuo aprendizado para professores e alunos", afirma Lílian. Ela e mais 11 alunos formaram-se pela AVV em agosto deste ano.

Tereza Dias, professora de música, propôs o nome VaiVem, termo que sugere intercâmbio. Em 2006, ela deu início ao curso de expressão oral, leitura e escrita para funcionários do Encontro das Águas. "Houve os que se apresentaram e se comportaram como quem não sabe o que quer. Outros faziam gracejo para fazer rir os seus pares, uns se mantinham tímidos, desconfiados, como quem quer pescar, mas lhes falta a isca", afirma Tereza.

Edmilson Santos, funcionário do Encontro das Águas, é aluno do curso desde o princípio e afirma que é difícil participar ativamente. "Muitas vezes, as pessoas chegam cansadas do trabalho e não conseguem fazer o que têm vontade, que é estudar mais e mais". Apesar da rotina diária, o estudante e mais um colega têm se esforçado e mostrado resultados. "Estes, sim, podem assinar a folha de pagamento, sabendo o que fazem, com uma caligrafia de fazer inveja", afirma Tereza. A turma, que começou com 15 candidatos, diminuiu em freqüência no segundo semestre de 2007.

Professora Tereza Dias e o aluno Edimilson Santos.

O maior empecilho em conseguir mais alunos para o curso é a vergonha. "Sempre procurei incentivar alguns amigos, mas, por vergonha, eles acham que estarão se humilhando. Assim, perdem a oportunidade de aprender algo a mais", conclui Edmilson, afirmando que não só está aprendendo a ler e escrever como também a respeitar os colegas e a se fazer respeitado. Atualmente, ele é quem está coordenando o trabalho em seu grupo no condomínio. "Esse aprendizado que eu vim ter com dona Tereza, eu acho que já abriu essa oportunidade para eu mostrar minha capacidade", diz Edmilson.

Todas as aulas oferecidas pela AVV são gratuitas e beneficiam adultos, moradores do bairro de Portão e região. O material didático é comprado ou confeccionado pelos membros da organização e emprestado aos alunos que, ao final do período de estudos, devem devolvê-los para serem utilizados pelas próximas turmas.

A instituição ainda não possui uma sede própria nem o estatuto aprovado, porém, a maior dificuldade é encontrar voluntários. Atualmente, apenas cinco pessoas abraçaram a causa. "É incrível, porque o Encontro das Águas possui 350 lotes habitados", diz Dinara, afirmando que sempre são enviadas circulares e as pessoas querem ajudar, mas é difícil conseguir com que participem ativamente.

A associação não possui parceiros. Ela recebe contribuições dos próprios moradores. A exemplo, uma publicitária que fez a marca. O Encontro das Águas também ajuda. Nele são feitas as impressões das circulares que são enviadas aos moradores, além de faixas avisando sobre algum evento. Para arrecadar recursos, dois bazares são realizados dentro do condomínio: no Natal e no Dia das Mães. Para participar é cobrada a taxa de R$20,00, que é revertida para a VaiVem.

A AVV também é responsável por recolher doações e levá-las à pessoas que precisam. Os livros recebidos são encaminhados às bibliotecas da comunidade. "Esses livros nós não doamos, cedemos, porque nosso objetivo é ter uma sede, como se fosse um centro cultural com uma biblioteca. Então, depois, os buscaremos", explica Dinara Cavalcanti.


Manipulando a notícia

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Por Flávia Passos Leite.

Quando um jornalista veterano se depara com uma notícia chocante, um movimento acontece. A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951) mostra como um profissional de comunicação se aproveita de um trágico acidente para subir na carreira.
O drama foi produzido e dirigido por Billy Wilder, o mesmo de Amigos, amigos, negócios a parte (Buddy Buddy, 1981). O diretor alerta a população sobre como alguns profissionais manipulam as notícias para se fazerem conhecidos.
Durante 111 minutos é contada a história de Charles Tatum (Kirt Douglas), de a Acontece nas Melhores Famílias (It runs in the family, 2003), um jornalista que, após ser demitido de 11 grandes jornais, vê-se em Albuquerque, Novo México. Então, consegue ser empregado no pequeno jornal local, pensando em ficar apenas alguns meses, até escrever uma boa matéria e ser contratado por um grande veículo de comunicação. Seus planos, porém, não dão certo, pois em um ano não havia presenciado nenhum fato de grande relevância e que obtivesse repercussão nacional.
Enviado para cobrir uma corrida de cascavéis, Mr. Tatum vê sua sorte mudar, quando encontra um motivo para atingir seu objetivo. Leo Minosa (Richard Benedict), após uma tentativa de encontrar relíquias indígenas em uma caverna, fica soterrado. Chuck Tatum, como é conhecido o jornalista, aproveita-se da situação para conseguir sua matéria, como ele mesmo disse: "Esta é a minha história".
A partir deste momento, o personagem passa a controlar a situação. Ele manipula o xerife da cidade, o engenheiro que comanda as obras do resgate, a família de Leo, seu chefe e outros jornalistas, além da multidão de pessoas que, mobilizadas com o acidente, acamparam no lugar. Chuck consegue ainda fazer com que a esposa de Leo, Lorraine Minosa (Jan Sterling), de A Trágica Farsa (The Harder They Fall, 1956), finja que está triste com o que está acontecendo, mesmo quando o que ela queria era deixar o marido.
O engenheiro diz, então, que a maneira mais rápida de retirar Leo da montanha é por den
tro. Mas Mr. Tatum manda o resgate ser realizado por cima, o que levaria seis dias. Assim, a notícia perduraria. Já no sexto dia, depois de estar no centro das atenções, o jornalista vê seu sonho se esvair, pois Leo Minosa morre e, assim, também, a sua notícia.
O filme, ganhador do Prêmio Internacional no Festival de Veneza e indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, chama a atenção de todos para um grave problema: a manipulação de notícias. Os veículos de comunicação são empresas com fins lucrativos e os jornalistas sobrevivem do que escrevem. Por isso, devem observar certos critérios antes de iniciar cada matéria. Não podem simplesmente abordar a notícia do jeito que querem.
É notório que em qualquer veículo de comunicação existe a parcialidade. Segundo McLean (1981) "quando um artigo não faz a distinção clara entre as interpretações do seu autor e os fatos relatados estamos perante uma notícia parcial ou tendenciosa". Essa parcialidade pode ser observada na forma como a notícia é descrita pelo autor, pois cada jornalista possui valores e modos diferentes de ver uma determinada situação e os mostram também em seus textos.
Além disso, o profissional de comunicação deve observar a política editorial da empresa onde trabalha, que é influenciada por seus donos. Esta é completamente diferente da objetividade jornalística, como pensa Breed (1955). Mas e a imparcialidade, onde está? Para isso é que servem os critérios de noticiabilidade. Para tentar padronizar as notícias e ressaltar o que realmente merece importância.
Desde as primeiras décadas do século XVII, quando existiam as "folhas volantes", uma espécie de antecessor dos jornais, catástrofes, milagres, abominações, protestos, mortes e celebridades são notícias. A partir de estudos, Galting e Ruge (1965/1993) enumeraram 12 critérios gerais para nortear a elaboração de textos jornalísticos. Esses e mais alguns critérios são utilizados pela mídia de todo o mundo. São mecanismos que ajudam os jornalistas a escreverem seus textos dentro de um padrão, sabendo das expectativas dos leitores, telespectadores e ouvintes.
Conhecedor dos critérios de noticiabilidade e sabendo que a negatividade é um deles, Charles Tatum persistia em seu objetivo de querer ser conhecido como um ótimo jornalista. Ele vivia em busca de um acontecimento catastrófico que assegurasse sua carreira jornalística, chegando a insinuar que se não tivesse notícia ele morderia um cão.
A história de Leo Minosa serviu para que Mr. Tatum conseguisse escrever sobre o que dava audiência. Só que não desempenhou sua função como deveria. Noticiar o fato sem se envolver parecia algo que não existia na mente do jornalista. Ele manipulou completamente a situação, não permitindo, inclusive, que outros profissionais da área obtivessem qualquer informação sobre o caso.
Por um instante Chuc
k conseguiu o que queria. Porém, não contava com a morte de Leo, quando uma multidão o esperava sair com vida. Ao tentar se fazer o centro das atenções, o jornalista não pensou no sentimento das pessoas que a notícia sensibilizou e muito menos no soterrado, que por sua causa morreu.
Essa história é importante para conscientizar a população sobre uma necessidade: avaliar o conteúdo das informações que são passadas diariamente pelos diversos veículos de comunicação. A manipulação existe e cabe a cada um fiscalizar os media noticiosos, já que não há um órgão que o faça.

Fabricando matérias

10:24 Edit This 0 Comments »
Por Flávia Passos Leite.

Histórias fictícias podem aparecer em uma revista política como sendo verdadeiras? É o que conta o filme O preço de uma verdade (Shattered Glass, Estados Unidos, 2003), baseado no artigo Shattered Glass de H.G. Bissinger, jornalista americano que, por sua vez, baseou-se na história real da passagem do jornalista Stephen Glass pela revista americana "The New Republic".
O longa metragem, produzido por Craig Baumgarten, Tove Christensen, Gaye Hirsch e Adam Merims, foi escrito e dirigido por Billy Ray, que adaptou o artigo de Bissinger. Billy Ray dirigiu, também, Quebra de Confiança (Breach, 2007) e roteirizou filmes como Volcano - A Fúria (Volcano, 1997) e Plano de Vôo (Flightplan, 2005).
O drama, com duração de 93 minutos, conta a história do jornalista Stephen Glass (Hayden Christensen), de 25 anos, que teve seu sonho realizado ao se tornar um repórter da revista "The New Republic", de Washington D.C. Todos os integrantes do impresso o admiravam. Seus artigos eram um sucesso. Muitos, porém, eram falsos. Para ser mais precisa, 27 de suas 46 histórias foram parcialmente ou totalmente fabricadas. Glass gostava de ver o entusiasmo das pessoas ao lerem suas matérias e isso o motivava a continuar mentindo.
Mesmo ao passarem pelo rigoroso processo de checagem de informações e fontes, os artigos inventados do jornalista eram publicados sem que nenhum erro fosse notado. Mas essa situação mudou quando o jornalista Adam Penenberg, da revista digital "Forbes", ao analisar o artigo de Stephen Glass, "Paraíso dos Hackers", constatou que era falso. Para se defender, Glass inventou outras mentiras, mas foi pego pelo editor da "The New Republic", Charles Lane (Peter Sarsgaard). Glass foi demitido, arruinando, assim, sua carreira como jornalista.
Essa produção da Lion Gate Films, que recebeu 4 indicações ao Independent Spirit Awards (realizado em Santa Mônica, Califórnia, EUA) nas categorias de melhor filme, roteiro, fotografia e ator coadjuvante (Peter Sarsgaard), chama a atenção para a questão da ética no jornalismo. O código de ética do jornalista brasileiro, em vigor desde 1987 por votação em Congresso Nacional dos Jornalistas, diz, quanto ao direito à informação, no artigo 3° que "a informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo". Stephen Glass parece não ter notado qual a real função de um veículo de comunicação. Quando inventava histórias para a revista que trabalhava, não atendia ao que era solicitado de um jornalista e, portanto, faltava com a ética.
O código de ética dos jornalistas americanos também descreve o papel do profissional de jornalismo. "Testar a exatidão da informação de todas as fontes e exercitar o cuidado para evitar erros inadvertidos. A distorção deliberada nunca deve ser permitida": isso é o que diz a primeira parte do código. Este exemplo serve, mais uma vez, para caracterizar a atitude de Glass. Através dela pode-se notar uma total falta de comprometimento com sua profissão, seu local e colegas de trabalho.
Para obter o sucesso em pouco tempo, Stephen Glass utilizou artifícios que são completamente inaceitáveis dentro de sua profissão. Os jornalistas devem ser, segundo o código de ética americano, "honestos, justos e corajosos ao coletar, relatar e interpretar a informação". Todas essas qualidades não puderam ser observadas no trabalho do jovem profissional americano, que pagou um alto preço por seus erros, como sugere o próprio título do filme.
O diretor Billy Ray e o elenco do filme conseguiram mostrar de forma clara e precisa a história de Stephen Glass, que em entrevista a Steve Kroft's para a "60 minutes", revista televisionada americana, confessou que sua vida foi repleta de mentiras. Ele disse que gostava da reação das pessoas ao lerem suas matérias, mas sabia que tinha que parar com as mentiras, porém não o fez. Glass confessou, também, que sua atitude feriu a seus editores, amigos e familiares e que está tentando se desculpar com todos.
A história de Stephen Glass, relatada no filme O preço de uma verdade, intensificou a importância de analisar o que se lê. O papel do jornalista é informar a população sobre fatos que ocorrem diariamente e que são de interesse de todos. Mas se esse profissional, que contribui para a formação da opinião pública, for desonesto ao passar as informações, todo o processo de leitura e interpretação da mensagem será abalado. Cabe, portanto, aos jornalistas, donos de empresas de comunicação e a sociedade estarem atentos e analisarem criticamente as informações que são passadas diariamente.