Fabricando matérias

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Por Flávia Passos Leite.

Histórias fictícias podem aparecer em uma revista política como sendo verdadeiras? É o que conta o filme O preço de uma verdade (Shattered Glass, Estados Unidos, 2003), baseado no artigo Shattered Glass de H.G. Bissinger, jornalista americano que, por sua vez, baseou-se na história real da passagem do jornalista Stephen Glass pela revista americana "The New Republic".
O longa metragem, produzido por Craig Baumgarten, Tove Christensen, Gaye Hirsch e Adam Merims, foi escrito e dirigido por Billy Ray, que adaptou o artigo de Bissinger. Billy Ray dirigiu, também, Quebra de Confiança (Breach, 2007) e roteirizou filmes como Volcano - A Fúria (Volcano, 1997) e Plano de Vôo (Flightplan, 2005).
O drama, com duração de 93 minutos, conta a história do jornalista Stephen Glass (Hayden Christensen), de 25 anos, que teve seu sonho realizado ao se tornar um repórter da revista "The New Republic", de Washington D.C. Todos os integrantes do impresso o admiravam. Seus artigos eram um sucesso. Muitos, porém, eram falsos. Para ser mais precisa, 27 de suas 46 histórias foram parcialmente ou totalmente fabricadas. Glass gostava de ver o entusiasmo das pessoas ao lerem suas matérias e isso o motivava a continuar mentindo.
Mesmo ao passarem pelo rigoroso processo de checagem de informações e fontes, os artigos inventados do jornalista eram publicados sem que nenhum erro fosse notado. Mas essa situação mudou quando o jornalista Adam Penenberg, da revista digital "Forbes", ao analisar o artigo de Stephen Glass, "Paraíso dos Hackers", constatou que era falso. Para se defender, Glass inventou outras mentiras, mas foi pego pelo editor da "The New Republic", Charles Lane (Peter Sarsgaard). Glass foi demitido, arruinando, assim, sua carreira como jornalista.
Essa produção da Lion Gate Films, que recebeu 4 indicações ao Independent Spirit Awards (realizado em Santa Mônica, Califórnia, EUA) nas categorias de melhor filme, roteiro, fotografia e ator coadjuvante (Peter Sarsgaard), chama a atenção para a questão da ética no jornalismo. O código de ética do jornalista brasileiro, em vigor desde 1987 por votação em Congresso Nacional dos Jornalistas, diz, quanto ao direito à informação, no artigo 3° que "a informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo". Stephen Glass parece não ter notado qual a real função de um veículo de comunicação. Quando inventava histórias para a revista que trabalhava, não atendia ao que era solicitado de um jornalista e, portanto, faltava com a ética.
O código de ética dos jornalistas americanos também descreve o papel do profissional de jornalismo. "Testar a exatidão da informação de todas as fontes e exercitar o cuidado para evitar erros inadvertidos. A distorção deliberada nunca deve ser permitida": isso é o que diz a primeira parte do código. Este exemplo serve, mais uma vez, para caracterizar a atitude de Glass. Através dela pode-se notar uma total falta de comprometimento com sua profissão, seu local e colegas de trabalho.
Para obter o sucesso em pouco tempo, Stephen Glass utilizou artifícios que são completamente inaceitáveis dentro de sua profissão. Os jornalistas devem ser, segundo o código de ética americano, "honestos, justos e corajosos ao coletar, relatar e interpretar a informação". Todas essas qualidades não puderam ser observadas no trabalho do jovem profissional americano, que pagou um alto preço por seus erros, como sugere o próprio título do filme.
O diretor Billy Ray e o elenco do filme conseguiram mostrar de forma clara e precisa a história de Stephen Glass, que em entrevista a Steve Kroft's para a "60 minutes", revista televisionada americana, confessou que sua vida foi repleta de mentiras. Ele disse que gostava da reação das pessoas ao lerem suas matérias, mas sabia que tinha que parar com as mentiras, porém não o fez. Glass confessou, também, que sua atitude feriu a seus editores, amigos e familiares e que está tentando se desculpar com todos.
A história de Stephen Glass, relatada no filme O preço de uma verdade, intensificou a importância de analisar o que se lê. O papel do jornalista é informar a população sobre fatos que ocorrem diariamente e que são de interesse de todos. Mas se esse profissional, que contribui para a formação da opinião pública, for desonesto ao passar as informações, todo o processo de leitura e interpretação da mensagem será abalado. Cabe, portanto, aos jornalistas, donos de empresas de comunicação e a sociedade estarem atentos e analisarem criticamente as informações que são passadas diariamente.